quarta-feira, 18 de novembro de 2015

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Espero que seja a última vez que eu sente nesse canto desse pátio. Daqui a pouco termina o banho de sol. Vai se aproximando a hora de ir embora. Finalmente. Já, já Maria e Elis vêm de novo ficar perguntando besteira. Cansada de ficar muda. Na verdade, queria mesmo ter nascido muda. Pelo menos não ia ter que ficar fazendo esforço para não falar com ninguém.
-- Oi, Jana! Último dia, hein! Tu não vê a hora de sair daqui...de se livrar da gente. Eu não vejo a hora de ir embora desse lugar. Saudade dos meus barrigudinhos.
-- Bom dia, Janaína! Essa semana mais calada que de costume. Acho que se fosse eu, também ficaria quieta, pra esquecer mais rápido esse lugar dos infernos.
A verdade é que eu nunca achei esse lugar ruim... se comparado com a vida que eu sempre levei antes de vir parar aqui. Ter vindo prá cá foi um divisor de águas na minha vida. Aqui eu aprendi a ler, a escrever. Aqui foi onde eu peguei num livro pela primeira vez. Que tomei gosto pela leitura, pelos estudos. Até o Ensino Médio eu completei. Só não fiz fui fazer faculdade porque o medo tomou conta. Não sei porquê. Quem sabe agora que estou de saída.
Ao contrário dessas outras que entram aqui, eu soube usar o tempo aqui a meu favor. Aprendi a me comportar, a ser uma pessoa educada, a falar de modo razoável. Antes eu era uma bruta. Parecia um bicho do mato. Isso aqui só é escola do crime pra quem realmente quer ser criminoso.
Entrar aqui não foi tão traumatizante como todas dizem aqui, afinal de contas nunca fui melhor tratada do que aqui (sim, eu sei que nunca não existe).
-- Sabe, Janaína. Apesar de não sermos chegadas, eu te admiro. Todo esse tempo que enfiada aqui e nunca ficou choramingando inocência. Nunca choramingou por nada, nem pela falta de visita.
Maria é a mais expansiva e alegre. É reincidente. Já a vi saindo daqui duas vezes...e voltando também. Tráfico de drogas, que ela diz que eram do ex-namorado, e por furto de uma farmácia. Alguns sabonetes, desodorantes. Tem cinco filhos. Volta e meia um deles aparece por aqui.
Elis é observadora, mais reservada. Está aqui há um bom tempo. Latrocínio. Inteligente, tem sorte de não ter filhos, mas a mãe e a irmã se revezam nas visitas. Dizem que namora uma das carcereiras. Dizem.
São as que mais mantenho contato aqui. Prefiro não me envolver. Já vi tanta coisa errada acontecendo por aqui. Melhor assim.

-- Sabe, meninas. Falta pouco tempo pra eu ir embora. Querem ouvir uma história? Sentem aí. É um pouco longa, mas ainda dá tempo antes de terminar o banho de sol.
...

Um comentário:

  1. Olá, este primeiro capítulo já deixa uma boa impressão. Muito legal, continue a publicar.
    Depois você pode pensar um pouquinho sobre a fonte usada, talvez seja melhor usar uma fonte mais suavizada, que não canse a vista do leitor.

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